O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino decidiu individualmente, na última segunda-feira, 18, que ordens judiciais e executivas de governos estrangeiros não têm efeito automático no Brasil, em uma tentativa de blindar o colega Alexandre de Moraes. Ao invés de barrar a Lei Magnitsky, a decisão afeta os prejudicados pelos desastres de Mariana e Brumadinho (MG).
Além de fomentar o pânico no mercado financeiro, Dino fabricou regras de alto impacto político e econômico, sem debate colegiado, deixando a sociedade e os agentes públicos num limbo jurisdicional, avalia o jornal O Estado de S. Paulo. A decisão não foi um episódio isolado, mas uma nova demonstração de um vício que é sistêmico na Corte: o monocratismo e o abastardamento da colegialidade.
“O Supremo tornou rotineiro o que deveria ser absolutamente excepcional”, diz o Estadão em editorial publicado nesta quinta-feira, 21. Em 2023, 83% das decisões do STF foram individuais. “Isso prostitui a lógica de um tribunal constitucional, cuja autoridade se funda na pluralidade de vozes e na força persuasiva de deliberações colegiadas.”
O texto cita exemplos como o inquérito das fake news, conduzido por Alexandre de Moraes, que acumulou funções de investigação, acusação e julgamento, e destaca ainda decisões de Luiz Fux, que em 2014 concedeu liminar para auxílio-moradia a juízes e procuradores, revogada quatro anos depois. Menciona também Dias Toffoli, que há anos anula condenações da Lava Jato, divergindo de posicionamentos anteriores do colegiado.
Tais ações transformam ministros de guardiões da Constituição em figuras com poder pessoal sem contrapesos institucionais. “Quando um togado decide sozinho sobre temas que envolvem bilhões de reais, a elegibilidade de candidatos ou a liberdade de ex-presidentes, não há democracia nem segurança jurídica que resistam.”
O Estadão ressalta que a previsibilidade jurídica, fundamental para contratos e investimentos no país, desaparece quando ministros podem suspender leis por tempo indeterminado. “Quando finalmente chegam ao plenário, tais decisões quase sempre são confirmadas, não pela força dos argumentos, mas pelo constrangimento de reverter efeitos já consolidados”, diz o editorial.

Foto: Gustavo Moreno/STF
Decisões monocráticas mostram perversão estrutural do STF
O editorial observa que Alexandre de Moraes se vangloria de não ter sido derrotado em mais de 700 recursos relativos a seus atos nos inquéritos das supostas tentativas de golpe. No entanto, para o Estadão, “isso soa menos como demonstração de autoridade e mais como sintoma de perversão estrutural”.
O jornal avalia que, “se um tribunal jamais corrige decisões individuais que se prolongam no tempo, é porque a colegialidade foi esvaziada e substituída por uma homologação automática”. Decisões monocráticas, acrescenta, deveriam ser reservadas a situações de urgência extrema e imediatamente submetidas ao plenário.
“A democracia brasileira não precisa de vigilantes iluminados, mas de juízes que cumpram a lei com modéstia institucional”, conclui o Estadão. “Se não recuperar a centralidade da colegialidade, arrisca-se a perder aquilo que sem o qual nenhum Poder republicano sobrevive: o respeito e a confiança da sociedade.”